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Começaram os estágios das equipas participantes da Primeira Liga Bwin 2022-2023 de futebol. A preparação na pré-época chega-nos através da imprensa, com as respetivas reflexões, e quase instantaneamente das redes sociais. Os adeptos leoninos parecem querer mostrar-se realistas no contido entusiasmo, mas o cenário terá de ser «verde que te quero verde».
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Verde que te quero verde.
Verde vento. Verdes ramas.
O barco vai sobre o mar
e o cavalo na montanha.
Com a sombra pela cintura
ela sonha na varanda,
verde carne, tranças verdes,
com olhos de fria prata.
Verde que te quero verde.
Por sob a lua gitana,
as coisas estão mirando-a
e ela não pode mirá-las.
Verde que te quero verde.
Grandes estrelas de escarcha
nascem com o peixe de sombra
que rasga o caminho da alva.
A figueira raspa o vento
a lixá-lo com as ramas,
e o monte, gato selvagem,
eriça as piteiras ásperas.
... ... ...
(Excerto de 'Romance Sonâmbulo')
FEDERICO GARCÍA LORCA
Continuam a suceder as vítimas fatais dos incêndios. Caem em armadilhas ou então salvando os outros. A salvar. Tal qual o jovem piloto, já de si destemido, mas talvez inquieto pelo caos, guindado aos ares e, depois, mesmo assim, sucumbido, como os sacrificados pisando a terra queimada e infernal. A nossa homenagem.
Agora que os ânimos clubísticos acalmaram, é tempo de dar os parabéns ao FC Porto Campeão Nacional 2021-22. Infelizmente em data que não aprovou a recontagem dos títulos da contestação sportinguista. O caminho deve imitar aquele portista para o êxito, com argúcia e coragem, pois «esforço, dedicação e devoção» já são sportinguistas.
O sagaz historiador António de Sousa Machado reproduz no livro O Porto Mediévico (1968) uma passagem de outro historiador que diz assim: «... a expressão Portucale era corrente, e, transformada em epónimo, galgara, do sítio de ao pé do rio, as vertentes quase aprumadas do monte da Sé para abarcar área maior que os muros suévicos não puderam constranger. Portucale nessa altura também se chamava Festabole - Portucale Festabole quoque appelabatur.»
Os tradutores eletrónicos dão: «Portucale também é chamado de pequeno/festivo banquete».
Acrescentamos nós: quem vê aqui uma "festa (da bola)"?; quem vê aqui um mui antigo São João?
1. Certamente o Abel Ferreira - sem plantel suficiente para tantos jogos - saberá como a recente decadência e ausência de triunfos internacionais da seleção brasileira existe ao lado de uma verdadeira máquina de fazer dinheiro. Ou seja, mais do que atualizar tecnicamente a modalidade, inclusive abrir-se ao exterior, os 'cartolas' pesaram na arrecadação de maquias em (demasiados) torneios (incluindo publicidade e televisão) e encher os bolsos.
2. Algum amor exagerado e mal conduzido pelos cifrões explica, inclusive, e depois de Pelé, a mistura dos eventos particulares com os comerciais por parte dos maiores craques brasileiros. E os casos de desorientação de Ronaldinho Gaúcho com passaporte falso; um dos vários casamentos de Ronaldo 'Fenómeno' decorrido no Castelo de Chantilly, França; as sucessivas festas de Neymar em contraciclo com as lesões e importantes decisões do calendário europeu.
3. O ramerrame foi interrompido pelos últimos êxitos internacionais dos times brasileiros. Uma comissão estrangeira aterrou para negociar a maior visibilidade do campeonato Brasileirão. Será o bolo partilhado?
Luís Forjaz Trigueiros lembra, à época, em 1972, no livro Monólogo em Éfeso, o acidente fortuito que resultou em tragédia no estádio de futebol em Glásgua, Escócia ('Ibrox ou a Morte Absurda').
«Os jornáis contaram há dias aquela tragédia do Estádio Ibrox Park, de Glásgua. Tão habituados vamos estando, todos, aos desastres de massas que lemos a notícia, lamentamos os mortos e feridos, comentamos (ou nem isso) em família e pensamos noutra coisa. Aliás, antes assim, é uma forma instintiva de defesa. Se todos pensássemos nos riscos que corremos quando saímos à rua, ou até em casa, como se tem visto em Lisboa, por exemplo, com as recentes derrocadas, a vida individual tornava-se um inferno e receávamos até mesmo respirar, com os perigos da poluição suspensos sobre nós... E entregar-nos-íamos à pior das mortes... a morte pela renúncia ao gosto simples de viver.
No entanto, para lá do acidente, como tal, suas causas diretas ou indiretas, há, talvez, comezinhas ilações a tirar da ocorrência. Pois que, segundo leio pouco antes de escrever estas linhas (e talvez venham depois conclusões dos peritos), não terá sido tanto o acidente fortuito, e infelizmente vulgar, do desabamento duma barreira, embora de metal e cimento, (repare-se: de metal e cimento, informam as agências), mas antes o choque de duas multidões lançadas - e por coisa nenhuma, repare-se - em sentido contrário. Parece que até momentos antes do final do desafio, os dois grupos em presença - Rangers e Celtic - estavam empatados. Segundos antes do final, um deles marcou um tento, logo seguido doutro do adversário. À excitação natural dos partidários do primeiro juntou-se a naturalíssima excitação dos adeptos do segundo. Entretanto, o público que havia começado a retirar-se e enchia as escadas de saída, surpreendido com o súbito entusiasmo, correu a ocupar de novo os seus lugares encontrando pela frente os que iam descendo. A maior percentagem de mortos e feridos está neste choque emocional de duas multidões impetuosas. E são ainda as agências telegráficas que no-lo explicam: «Os jogos entre o Rangers e o Celtic sempre se fizeram notar pela excitação produzida nas multidões assistentes... Em várias ocasiões do passado desencadearam-se mesmo batalhas entre os furiosos das duas equipas.»
Não percebo nada de futebol, mas, apesar disso, tenho até certa simpatia pelo espírito clubista quando se trata de "espírito desportivo", propriamente dito, coisa que não raro falta ao português típico: não sabe ganhar, nem perder. Mas isto é outra coisa. A verdade é que, estando longe dessas pugnas, chego a interessar-me por este ou aquele clube e quase sempre por este ou aquele desafio internacional. Considero indispensável, mesmo, uma certa paixão desportiva, o gosto salutar da competição, o amor da luta. E penso que, desportivamente ou não, os povos precisam do desafio ou do risco para se realizarem. Mas isto nada tem a ver com a tragédia de Glásgua.
Toda a morte, mesmo por acidente, pode ter um sentido. O espetador que tem um colapso cardíaco e morre quando o seu clube perde um jogo merece todo o respeito - a seu modo se entregou a uma forma de ideal e foi vencido por ela. (Que a sua conceção de "ideal"não seja a minha não obsta a que a aceite) A vítima de um desastre de automóvel a caminho do trabalho ou num passeio turístico, ou de um acidente de avião, caminho de ferro ou vapor, os espetadores que fogem de um incêndio na sala de espetáculos, o transeunte que fica no meio da rua, sem vida, tantos outros casos, são formas, fortuitas embora, de um certo destino assumido: qualquer missão pode ter os seus riscos e, pensemo-los ou não, mais ou menos os admitimos antes de cumpri-la. Simplesmente, os espetadores que caminhavam para a rua, apressados na luta pelo transporte, fugindo ao final de um jogo até aí sem interesse, obedeceram a um instintivo movimento de massas irrefletidas quando decidiram voltar aos seus lugares. Toda a filosofia do absurdo do automatismo da massificação do homem cabe, afinal, neste acidente de um estádio escocês, charco de sangue e de símbolos. Tratava-se de escoceses - e não de ingleses - e sou levado a admitir que, em Londres e não em Glásgua, esse impulso emocional de curiosidade ou ímpeto seria talvez prontamente refreado pela tradicional flauma individual; mas onde a reação emotiva terá até sido natural e humana foi em Glásgua, e o que ali ocorreu poderia ter-se passado em qualquer estádio de qualquer terra do mundo onde afluíssem, assim, galvanizadas e ansiosas, compactas massas de espetadores. É que hoje não há travões da razão que possam suster certo tipo de paixões coletivas desencadeadas e entregues a si próprias. Os mortos da escada do Estádio de Glásgua morreram sem saber porquê nem para quê, asfixiados ou espezinhados, ignorantes, até final, do pretexto por que morriam. Eis um caso típico de morte, individual ou coletiva, pouco importa, sem qualquer espécie de sentido, tema que, na sua tragicidade e atualidade, bem poderia tentar um dos autores dramáticos do teatro do absurdo. Ao cabo, a desintegração da linguagem, a desintegração da intriga, pedras basilares da sua escola teatral, serão muito menos importantes do que o fenómeno, a que estamos assistindo hoje, de desintegração das motivações e que tem nas vítimas de Ibrox Park um terrível exemplo. O primeiro dia do ano trouxe assim, muito para além do quadro desportivo em que se integra e do velho porto escocês em que se situa, mais um motivo de meditação para os que denunciam hoje, por toda a parte, o absurdo feito real, na vida e, até, como se vê, na morte.»
O efervescente 'derby' Celtic vs. Rangers salpicou para um poema do inglês, filho de pais escoceses, Ian Hamilton. Este poeta e crítico (e biógrafo de J. D. Salinger), antes jogador de futebol, escreveu assim 'Cores' - invadindo as duas áreas rivais - numa evocação paterna incluída em Cinquenta Poemas (Cotovia, trad. Nuno Vidal):
Sim, acho que nos ensinaste alguma coisa. / Aquele roupão verde-garrafa à padre, / Por exemplo, em que tentaram enfarpelar-te / Para a tua última noite na Enfermaria. / «A minha mortalha à Celtic», disseste / E quando ninguém se riu: «Antes do dia nascer / O vosso querido pai vai ficar azul como Ibrox.»
O título do post pertence a uma das micronarrativas do livro Efeito Borboleta e outras histórias de José Mário Silva.
«Vejo a bola, pousada na marca de penalty. E vejo a baliza imensa: sete metros e trinta e dois centímetros de um poste ao outro, dois metros e quarenta e quatro centímetros entre a barra e o solo, quase 18 metros quadrados por onde a bola pode entrar e beijar as redes, como gostam de dizer os comentadores. Vejo a bola, vejo a baliza. E vejo a multidão, milhares e milhares de pessoas à volta do campo com bandeiras e buzinas, à espera do meu remate, do meu golo, do golpe certeiro que desempate esta final, que garanta para o nosso clube, para o nosso país, a taça que brilha sobre aquela massa coberta de insígnias. Vejo a bola, vejo a baliza, vejo o público. E vejo o guarda-redes adversário, de braços abertos, sobre a linha branca. O árbitro apitou. Em que estará a pensar o guarda-redes, enquanto olha para mim, para os meus pés, para o meu rosto, tentando adivinhar a direção e a força do remate? Pensa no mesmo que eu penso. Na minúscula diferença que separa o falhanço da glória. Eu posso rematar ao poste ou à figura. Ele pode lançar-se para o lado errado ou deixar que a bola raspe nas luvas e entre. Basta uma hesitação, um piscar de olhos, para cair no inferno. Olho para o guarda-redes, o guarda-redes olha para mim. O estádio cala-se. Levanto a cabeça, corro para a bola, fecho os olhos no último segundo, remato. E só então me apercebo de que nada serve a minha fé e a minha angústia. Somos figurantes, eu e o guarda-redes (talvez também o árbitro e o público). Somos as vítimas de um jogo perverso. Porque a bola tem vontade própria. É ela que decide se entra ou não na baliza.»
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Um dos suplementos organizados pelo jornal O Jogo.
A última vez que os macedónios se reuniram em expedição competitiva, tendo em vista o desafio global, foi há 2300 anos. Não se dirigiram então aos arrabaldes do extremo ocidente, mas ao Oriente, para onde desde sempre os antecessores olharam. Agora calhou em sorteio caminharem para Ocidente e já atropelaram os adversários do Lácio, não esquecendo que causaram idênticos problemas há pouco aos teutónicos. Não se sabe o que virá e teme-se um igual grupo de sérvios despreocupados. Sabemos que o desafio será no norte do nosso país e que os selecionados estrangeiros são originários também do norte da sua região. Ao longo do tempo os vizinhos gregos obtiveram êxitos importantes no ocidente europeu, vejam-se os casos da 'Magna Grécia' e do Campeonato Europeu de Futebol de 2004.
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Pinturas de Falcão Trigoso (Lisboa, 1871 - 1956) com o futebol como tema, bem reveladoras da renascente paixão por este desporto na sociedade portuguesa.
(Imagens retiradas do livro Falcão Trigoso de Sylvia Purwin de Figueiredo Falcão Trigoso, Edições Inapa 2004)
Hoje não há crónica, só desenhos. Para comentar a atualidade.
Resultado do 'clássico' FC Porto vs. Sporting CP no recinto da freguesia de Campanhã: 2-2. Os visitantes do Lumiar estiveram a vencer por 2-0, mas a expulsão de Coates e as investidas finais portistas causaram o empate. Não foi desta, portanto, a vitória do Leão, a qual seria bem oportuna na caminhada para a renovação do título.
[Estampa do tempo da Restauração, representando o movimento precocemente vitorioso do Leão espanhol - depois malogrado - sobre o Dragão português. Este símbolo leonino do espanhol foi extinto.]